Caso Silvio Santos reflete controvérsia sobre tributação de herança no exterior
EDUARDO CUCOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A controvérsia sobre tributação de herança no exterior colocou os governos carioca e paulista em lados opostos -e esse último em posição contrária às herdeiras do apresentador Silvio Santos (1930-2024).
São Paulo defende a constitucionalidade do artigo da lei estadual do ITCMD (imposto sobre heranças e doações) que determina a cobrança sobre transmissões de bens localizados fora do país. A posição do estado é questionada no Judiciário por vários contribuintes, incluindo a família do apresentador que residia no território paulista.
O Rio de Janeiro, por outro lado, afirma que não há incidência do tributo sobre doação de bens móveis ou imóveis no exterior para quem mora lá. Como Silvio residia em São Paulo, o caso foi parar na Justiça, algo que não aconteceria se ele tivesse domicílio fiscal no estado vizinho no momento de sua morte.
A discussão é antiga, mas parecia ter sido encerrada em 2021, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou o dispositivo da lei carioca que tratava dessa tributação inconstitucional. O caso serviu de referência para outras ações sobre o tema, e as legislações de mais de 20 estados que também faziam tal cobrança foram invalidadas.
Motivo: o Supremo entendeu que essa tributação dependia de uma lei complementar a ser aprovada pelo Congresso Nacional, como determinava a Constituição na época. Para alívio dos estados, o STF determinou que não seria necessário restituir o dinheiro já cobrado.
Em 2023, os governadores fizeram uma nova ofensiva. Pegaram carona na emenda constitucional da reforma tributária para alterar o texto constitucional e autorizar essa cobrança, mesmo sem lei complementar. Veio então uma nova controvérsia.
Alguns estados entendem que suas leis estavam apenas com sua “eficácia contida” pela decisão do STF. Uma vez alterada a Constituição, voltariam a vigorar automaticamente, permitindo taxar as heranças no exterior.
Outros avaliam que um dispositivo considerado inconstitucional está automaticamente excluído do mundo jurídico. Nesse caso, para cobrar o imposto sobre esses bens seria necessário aprovar a taxação por meio de nova lei nas Assembleias Legislativas.
“Uma emenda constitucional não tem o condão de constitucionalizar uma norma que nasceu inconstitucional. Por isso é necessária uma nova lei [estadual]. O que estamos vendo hoje na jurisprudência é um choque entre duas posições”, afirma Natalia Zimmermann, sócia do escritório Velloza Advogados Associados.
Levantamento feito pelo escritório mostra que pelo menos dois estados, Bahia e Rio Grande do Norte, alteraram suas leis após a reforma de 2023 para se adequar à Constituição.
A advogada afirma que alguns contribuintes têm obtido vitórias contra o entendimento da Fazenda paulista, mas que não há casos suficientes para que seja possível determinar qual a tendência no Judiciário em relação ao tema.
Mateus Campos, coordenador da área Tributária do BVA (Barreto Veiga Advogados), afirma que a falta de uma lei complementar sobre o tema pode gerar também disputa entre os próprios estados para decidir quem fica com o tributo, pois uma secretaria de Fazenda pode entender que o domicílio fiscal foi alterado apenas com objetivo de escolher a menor alíquota.
Ele disse já ter sido procurado por clientes que queriam aproveitar a ausência da cobrança no Rio para transferir seu local de residência, realizar uma doação de bem no exterior sem imposto, e depois voltar para São Paulo, onde aproveitariam uma alíquota menor para a transmissão dos bens no Brasil.
“Isso carrega um risco bastante considerável, até porque outros elementos têm que ser considerados. Não é só a informação de endereço na Declaração do Imposto de Renda, mas também elementos fáticos, como ter imóvel e um centro de atividades relevantes no estado. Esperamos que isso seja neutralizado com a continuidade da reforma do ITCMD”, afirma.
No caso Silvio Santos, um juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a cobrança do imposto e determinou o depósito de R$ 17,6 milhões (valor da cobrança) até a conclusão da disputa. Como noticiou a coluna Outro Canal, a discussão envolve R$ 429 milhões deixados em herança que estão em um paraíso fiscal.
“As herdeiras do falecido Silvio Santos nada mais fizeram senão exercer um direito legítimo dentro das posturas legais vigentes no Brasil. Convém esclarecer que todo o patrimônio deixado pelo apresentador está devido e minuciosamente declarado em seu Imposto de Renda”, disseram as herdeiras do empresário em nota divulgada em janeiro.
O caso está em segredo de Justiça, mas a decisão liminar (provisória) publicada pelo juiz Marcio Ferraz Nunes mostra que elas questionam a tributação do ativo no exterior e também a cobrança do imposto sobre outros bens sem a exclusão de uma dívida deixada pelo apresentador. Essa é outra controvérsia entre os estados.
Em São Paulo, a tributação ocorre sobre o valor bruto da herança. Para descontar a dívida, o contribuinte é obrigado a recorrer ao Judiciário. Em relação a esse ponto, o juiz afirma que “o imposto deve incidir apenas sobre o patrimônio líquido partilhado”.
Leia Também: Receita Federal libera programa do Imposto de Renda 2025; veja as novidades
Fonte: Notícias ao Minuto Read More